domingo, 30 de janeiro de 2022

Visceral - Capítulo 4 Ritual

 


A noite adentra, os passos do antigo deus são lentos, mas constante. Sua presença aniquila os traços de lucidez da maioria das pessoas, inicia-se uma onda de caos na cidade de Tóquio.

Um grupo vira dois carros de polícia, obrigando os agentes da lei a se defenderam; bancos e lojas são violados; uma loja de eletrônicos é invadida, um jogo da Sailor V é destruído.

O caos cessa com a presença da antiga deidade, como num ritual religioso as pessoas começam a dançar, assim o caos dá lugar a uma nova ordem.

Honoka e Shinnosuke caminhavam pela parte ainda civilizada da cidade, quando ouvem os gritos. Ambos seguem o som e alguns minutos de caminhada depois presenciam a procissão.

A visão do antigo deus faz Honoka gritar, ela tenta se debater, mas é amparada por seu amor. Em falas vagas ela pronuncia o nome do ser ancestral:

- XXX está indo para seu templo. 

Shinnosuke observa a criatura, reconhece os traços desenhados no monolito e no painel de pedra. 

Ele chacoalha a garota, que volta a si.

- O que está acontecendo?

- O que você estava dizendo?

- Um desamparo tomou conta de mim, o que foi aquilo que eu vi?

- Temo que nosso surto de sinceridade não tenha sido provocado apenas pelo álcool. Nós podemos ter acordado uma criatura muito antiga.

- O museu! - Honoka tem uma epifania, provocada pela rápida experiência abominável - Ele está indo para o seu templo. 

Os dois se olham assustados.

- Você descreveu um ritual.

- Sim, um ritual da fertilidade.

Os dois correm para o museu, conseguindo ser muito mais rápidos que a multidão, que agora dança nua, se beija e faz sexo no meio da rua, sobre os carros.

Enquanto o casal corre rumo ao museu, ainda sem saber se poderá fazer alguma coisa Akeno encontra-se em uma situação bem diferente.

Ela está na casa do rapaz com quem bebia, os beijos libidinosos ficam um tanto intensos. O som de cantos vindo da rua invade a pequena casa e o rapaz de descontrola, rasgando as roupas dela.

Akeno consegue se desvencilhar com um chute no peito, ela defende-se do rapaz com utensílios que estão ao alcance de suas mãos, mais pessoas entram na casa. Akeno consegue fugir para a cozinha, depois para um quarto por onde pula a janela.

Ela observa uma pequena procissão passando, assustada mistura-se as pessoas que cantam e dançam até passarem por um hospital onde ela entra.

O local encontra-se deserto, alguns agentes da saúde escondem-se em salas, os pacientes impossibilitados de se locomover cantam nos leitos. 

Akeno entra em um consultório, onde faz uma barricada na porta, ela usa seu celular, tentando entender o que acontecia. Uma reportagem local mostra a massa de pessoas rumando ao museu cantando de maneira delirante.

No lado de fora do museu.

- Como vamos entrar?

A pergunta de Shinnosuke se responde com a visão do museu de portas abertas, inúmeras pessoas entram pelas portas. Depois do primeiro surto estão inofensivas.

Shinnosuke segura a mão de Honoka, os dois trocam olhares e correm para o salão onde seria feito a exposição no dia seguinte.

O monolito encontra-se intocado, as pessoas respeitam um círculo, os dois painéis de pedra caídos no chão, como se violassem um altar sagrado com sua presença. 

- Melhor darmos a volta.

Shinnosuke concorda, a passividade daquelas pessoas pode acabar a qualquer momento, eles circulam a demarcação, passam pelas pessoas com muito esforço, até alcançarem a porta que leva às salas exclusivas para funcionários.

Os corredores estão desertos, os dois alcançam a sala em que Shinnosuke traduziu os hieróglifos.

- Alguma ideia?

- Não sei se fico mais assustado ou animado.

- Você sempre foi estranho.

- Aquela coisa que nós vimos deve ser um tótem, culturas antigas cultuavam animais totêmicos, eram criaturas que simbolizavam uma ideia de união, de identidade.

- Ter um totem significa pertencer a uma aldeia, gradativamente as aldeias foram se unindo e juntando totens, criando quimeras ou construções fálicas, a humanidade foi se desenvolvendo, as crenças se refinando. Não precisa explicar essa parte.

- Até agora todos nós acreditávamos que era um simbolismo, grupos adotavam um animal para cultuar tentando pertencer a um grupo, não é diferente do que fazemos hoje com relação a moda, cultura ou ideologia política.

- Então aquela coisa é um Tótem, ele nasceu de inúmeras miscigenações? 

- Se for, temos que nos perguntar por que ele está aqui?

- É isso, uma vez ao ano os grupos se juntavam para festejar em um ritual sagrado para gerar um novo tótem, o objetivo era uma catarse que trazia mais um ano de paz entre as aldeias.

- Se for isso temos que resistir até o final da cerimônia.

Honoka olha em seu relógio, são cinco horas da manhã, logo o sol deve nascer.

O antigo deus chega ao museu, as pessoas abrem espaço respeitosamente, a euforia deu lugar a solenidade. O ser se enrola no monolito, o afagando. 

A criatura inominável estanca, instintivamente tem seu olhar é atraído para uma pessoa. Yumi, trajando apenas uma camiseta antiga e sua calcinha, que normalmente usa para dormir, ela caminha até o centro do círculo.

A professora para a frente do monolito, o inominável aproxima-se, a segurando com suas garras. A jovem professora acaricia a criatura, que responde urrando. O deus rasga a camiseta dela.

Yume é erguida pelo antigo deus, que a ostenta pelas torneadas coxas, em seguida a deita no chão, sua língua percorre a barriga branca da moça, circunda seus pequenos seios, sobe pelo pescoço. Com a outra garra arranca sua calcinha.

Dois pênis saem de dentro da criatura, penetrando Yume, que finalmente encontra satisfação sexual, ela segura as costas viscosas do ser que a penetra com seus membros tentaculares.

O deus fica ereto, enquanto os órgãos adentram a garota que se contorce em desejo e satisfação, seus gemidos ecoam na cidade silenciosa. 

O acasalamento termina com o nascimento de um novo dia, o sol não consegue atravessar as densas nuvens, o dia está cinza.

O antigo deus sente-se fraco, ele cai deitado no chão.

Yume recobra a razão, seu olhar reflete confusão, mas logo ela descobre-se nua em meio a uma multidão, tenta fugir, mas cai de joelhos sentindo fortes dores.

Ela e a criatura gritam de dor, Yume de contorce no chão urrando.

Honoka, que assistiu o ritual com seu amado menciona ir ajudar, mas é segura por Shinnosuke.

A jovem professora grita mais uma vez, sua dor amplia, o barulho de ossos quebrados podem ser ouvidos, de dentro da professora surge um filhote, que esfomeado devora sua mãe ainda viva.

O antigo deus cai exausto, os presentes o atacam desmembrando e devorando seu corpo. 

Ao final do ritual o novo deus, recém nascido, mas já articulado percorre o caminho de volta ao oceano. 

Aos poucos a cidade volta ao normal, aqueles que celebraram a cerimônia pagã entreolham-se sem saber se tentam esquecer ou entender. 

Akeno e os demais que se esconderam saem instintivamente às ruas se fazendo a mesma pergunta. 

Nenhum deles parece ter palavras para descrever o ocorrido.

Honoka e Shinnosuke estão abraçados na sala de estudos, ainda se recuperando da terrível visão.

- Acabaou, Shinnosuke?

- Acho que sim, ao menos até o ano que vem.

- Por que nós não fomos afetados como as outras pessoas?   

- Não sei, Na noite passada nós olhamos para dentro de nós mesmos e fomos obrigados a enxergar uma parte obscura que preferimos evitar.

- O conhecimento salva.

O neonato deus ancestral alcança a baía de Tóquio, pesando em restos oceânicos que emergiram da profundeza do oceano ele alcança a água, onde retorna a sua existência latente.


FIM

 

domingo, 23 de janeiro de 2022

Visceral - Capítulo 3 Do Mar Profundo


 

Um estranho fenômeno assola os japoneses naquela manhã, o sol nasceu e ao invés de suas belezas naturais a baía de Tóquio revelou terra negra e peixes mortos. O que rapidamente atraiu a atenção de todos.

Muitos japoneses se aglomeram receosos, assistindo uma enorme carcaça decomposta. Restos de seres abissais expostos na metrópoles japonesa. 

Na televisão, uma repórter acalma a população:

"A terra preta, assim como os peixes mortos podem indicar eventos sísmicos, porém nossos especialistas garantem que nenhum terremoto ou maremoto ocorreu, tão pouco erupção vulcânica. Acredita-se que se tratem de lixo que chegou a costa".

Yume é uma das pessoas em volta da baía, seu celular toca informando o cancelamento das aulas, os alunos foram estudar os animais marinhos mortos, ou deveriam.

A professora ignora a mensagem e caminha até o colosso decomposto, ela despreza a barricada policial, encostando sua mão no cadáver, enquanto pronuncia um nome inaudível.

Honoka para a caminho do trabalho, também tomada pela curiosidade, ela observa de longe o gigante morto.

- Vão concorrer com nossa descoberta.

Ela vira-se assustada e reconhece Shinnosuke encarando a criatura morta, apesar do gracejo não existe diversão em sua face.

- Você parece preocupado.

- Olhe para o céu.

Ela o faz sem entender, conhecendo seu colega Honoka começa a procurar detalhes: o sol está tímido atrás de nuvens, mas vivo, por falar nelas as nuvens estão normais, mesmo com a poluição o céu está azul.

- Não consigo enxergar nada.

- Exato. Com tantos peixes mortos o céu não deveria estar infestado por gaivotas?

- Gaivotas são as lixeiras do mar. Tem razão, apesar das pessoas a natureza está estranhamente familiar, como se nada tivesse acontecido.

- Faz séculos que o homem deixou de ser um ser natural, com isso não entendemos mais a natureza.

- Dá para parar de falar em enigmas.

- Na natureza a morte também é vida: um animal morre, outro vem e se alimenta dele, seus restos adubam a terra. Aqui não existe possibilidade de vida, apenas morte.

A sucessão de estranhezas continuou, mas sem grande alarde. Uma vez que um evento acontece sua repetição perde os holofotes para algo novo. 

O grande cadáver foi retirado pela marinha, mesmo com a chegada de novos peixes mortos nos próximos dias a baía o evento não chama tanto a atenção. Um grupo ecológico culpou a poluição e todos agradeceram a explicação rápida e simples.

Dessa forma mais uma semana se passou.

O museu se encontra bem diferente, os estudiosos cederam lugar aos marceneiros. Uma réplica de um templo antigo fora erguido na ala de antropologia, tudo para a grande inauguração do monolito.

Gendo acompanha de perto a grande rocha, posta em meio a um espelho d´água, com os painéis de pedra atrás, a múmia fica exposta em um canto, o centro reservado para a tradução ainda não entregue.

- Você consegue ver a beleza, Honoka?

- Aquela múmia trás sérios questionamentos sobre o que o senhor considera belo, mas eu concordo.

Os dois dão risada.

- Aquele espelho d'água foi uma excelente idéia senhor.

- Trata-se de um deus aquático. Os antigos eram bem literais quanto as suas adorações.

- Infelizmente não temos um nome.

- Um deus desconhecido, de nome impronunciável.

- Ainda não é uma certeza.

- Minha querida, descobertas são incertas. Quando o primeiro dinossauro foi descobertos as pessoas imaginavam lagartos gigantes e não grandes aves de rapina.

- O tempo comprovou o erro deles.

- Mas não os recriminou, descobertas também são criações, adivinhações. O importante é sermos honestos.

- Tenho a consciência de que fizemos o nosso melhor.

- Concordo, estou orgulhoso. Sei que nossa divindade também ficaria. Agora vou ensiná-la a outra tarefa que os diretores de um museu precisam dominar em noites de estréia.

- Qual senhor?

- Bajular financiadores e servir canapés.

Nos bastidores Akeno acompanha de perto os últimos detalhes na tábua que contém a tradução dos painéis e do monolito.

"A eleita se encontrará com XXX onde vai viver sua noite de núpcias e adoração a XXX".

- Gente é só uma trepada.

Todos dão risada de sua piada, Shinnosuke dá um passo à frente e limpa a garganta.

- É um pouco mais do que isso, não diminuindo a importância de uma boa trepada, a fertilidade e a sexualidade estão intimamente ligadas, quanto mais primitivo a civilização mais importância se dá ao sexo. Tribos antigas desvirginavam suas donzelas em público, algumas civilizações contavam com um sacerdote específico.

- Um emprego onde um homem desvirginava garotas?

- Muitas vezes com um instrumento sagrado.

- Aonde você quer chegar?

- Sexo é vida, mas também é morte. Na natureza tudo é um ciclo o final de algo é o começo de outro.

Yume se encontra em seu quarto ensandecida de desejo, ela se masturba pela sétima vez naquela manhã, esfregando o travesseiro entre as pernas. Descabelada e suada, morde seus lábios de prazer.

De volta ao museu, Shinnosuke continua sua explicação.

- Imagine que a escolhida é a encarregada de construir uma nova hera, ela vai carregar a semente de um deus. Você pode imaginar o poder envolto nessa ideia.

- Ela é praticamente uma deusa.

- Antigamente pessoas com poderes de deuses possuíam muitas responsabilidades e um enorme ônus, alguns até considerados intocáveis, certas tribos isolavam seus reis/deuses outros eram impedidos de se mover ou serem vistos. O poder trazia grande sofrimento a essas pessoas.

Em seu apartamento Yume esfrega a vagina contra o batente da porta, em desespero segue até a cozinha, arranca sua roupa, abre a geladeira de onde retira uma garrafa.

De quatro introduz o objeto com força e raiva em sua vagina. Seu corpo responde com prazer a masturbação, mesmo não havendo mais consciência da professora, ainda existe a fisiologia.

No Museu os dois amigos continuam a conversa, agora é a vez da Akeno.

- Ao mesmo tempo que possuíam poder eles não podiam desfrutar?

- O verdadeiro poder vinha do deus protetor ou totêmico representado por um animal ou planta. Considerado intocável. Um dia por ano, sempre no mesmo dia o tabu era quebrado e o animal devorado. 

- Como uma comunhão?

- Como uma comunhão.

 

Naquela noite.

 

O museu está deserto a exceção de seu curador, que avança a passos largos pelos corredores desertos e negros. Uma força antiga e poderosa age sobre ele e o local, inutilizando todos os sistemas de segurança.

Gendo chega ao salão da exposição, onde contempla o monolito, a luz da lua reflete o monolito, destacando os hieróglifos, agora limpos e brilhantes. 

Os olhos do cientista revelam que a razão abandonou seu corpo, com os braços relaxados permitem que o paletó escorregue, em movimentos bruscos arremessa os sapatos. Ele aproxima-se da pedra negra, onde inicia um ritual antigo. 

Dançando e cantando em uma língua não humana Gendo está possuído como um xamã, saltando em êxtase rasga sua roupa. Quando não consegue mais dançar se coloca a gritar, eufórico até que desmaia nu.

O mar da baía de Tóquio fica agitado, ondas encobrem a margem em pedra, transpassam as barreiras de concreto. A estranha terra negra recobre a construção humana; pedaços de seres marinhos mortos são trazidos pela água. 

Em meio às ondas surge uma criatura ancestral que desafia os limites da linguagem humana. O deus evocado no museu está entre nós: com seus dois metros da altura a criatura marinha caminha com facilidade em terra, revelando-se híbrido.

O deus de nome impronunciável ostenta uma cabeça de bagre e boca humanoide, seus olhos aproximam-se aos de um tubarão: negros e sem vida; o longínquo corpo reptiliano trás marcas de um anfíbio: guelras e respiração pulmonar; a longa cauda provavelmente auxilia no serpentear subaquático; longas peles sob os braços assemelham-se a asas demonstrando ser uma criatura bípede, com andar semelhante ao homem de neandertal. Os dentes pontiagudos e as garras robustas e negras revelam tratar-se de um carnívoro.

Os primeiros a verem o antigo deus são aqueles que observavam a tormenta, a simples visão da criatura é suficiente para destruir sua sanidade. Alguns começam a rir, outros a chorar. Os mais dignos se oferecem para saciar a fome milenar da criatura, que não hesita.

Ignorando o crepúsculo da civilização Honoka, Akeno e Shinnosuke comemoram o fim de um longo trabalho em um bar de luxo.

- Faz muito tempo que não saímos os três para beber - Honoka observa saudosista sua imagem no espelho.

- Naquela época nós dois passamos os dias trancados no quarto.

- Não me lembre desses dias, Shinnosuke, parecíamos crianças.

- Foi a melhor época da minha vida.

Honoka fica vermelha, sem palavras bebe mais um gole de seu drinque.

Akeno ri da honestidade de sua amiga e levanta-se com seu copo na mão.

- Aonde você vai?

- Já vi que estou sobrando aqui amiga, além disso tem algo muito mais divertido para fazer além de ouvir dois apaixonados discutindo sobre o remorso do tempo.

Elegante e sensual Akeno caminha até uma mesa, onde um jovem bem apessoado a observava à algum tempo, ela senta-se à mesa dele e rapidamente começam a rir.

- A Akeno é bonita e decidida, ela sabe o que quer e corre atrás - Honoka apresenta um tom triste e semblante arrependido - Ela combina com você.

- Honoka!?

A doutora levanta-se e sai do bar, onde observa a lua cheia, arrependida começa a falar ao homem que a seguiu:

- Você sabe que eu menti quando nos separamos, nunca me apaixonei por outra pessoa.

- Não, eu não sabia.

- Você ficou triste?

- De coração partido, não sabia o que era pior a dor de te perder ou não saber o motivo.

- E mesmo assim veio me ajudar?

- Você pediu minha ajuda.

Ela ri amargurada, uma lágrima escorre.

- Eu sou má, uso as pessoas, finjo ser algo que não sou.

- Honoka - ele tenta aproximar-se, mas é repelido.

- Para trás! Não demonstre compaixão. Eu magoei você, quando precisei o chamei de volta, trabalhando pra mim. Só para me sentir superior.

- Nunca entendi a nossa situação assim.

- Mas foi, você sempre foi um gênio, alguém que poderia ir muito longe e de fato foi. Não é só isso, é alguém bom, seu coração é enorme. Capaz de se entregar aos amigos e a quem ama. Durante a faculdade eu ficava pensando "por que ele está comigo, eu não mereço alguém assim".

- Você não faz ideia da mulher maravilhosa que é.

- Não acredito, a pressão de alguém como eu estar com alguém como você era enorme, eu o segurava, o atrasava nos estudos, não permitia que encontrasse alguém melhor.

- Você é tudo o que eu sempre quis.

- E o medo de quando você finalmente se desse conta e me abandonasse, eu precisei fazer isso. Eu... eu sou horrível.

Shinnosuke segura sua amada, a beijando como há tempos não beijava ninguém, com paixão e amor. Honoka relaxa suas defesas, retribuindo o gesto.

- Por que eu?

- Não sei explicar, eu a amo. Simples assim.

 

domingo, 16 de janeiro de 2022

Visceral - Capítulo 2 - deus antigo

 



Uma semana se passou, o dr. Shinnosuke adentra as dependências do museu carregando um crachá de visitante. Quem o vê não imagina sua importância para a antropologia japonesa dado ao descuido de sua aparência: camisa de colarinho aberto, com blazer amassado e barba por fazer. Nem o cabelo aquele homem penteou.

Akeno se encontra restaurando o monolito negro, um pouco às cegas pois não conhece o alfabeto utilizado e por isso desconhece o destino de seu trabalho. 

A bela jovem é subitamente envolta por dois braços másculos, após seu susto uma voz familiar a acalma, com boas memórias do passado. Seu "agressor" é o nosso visitante.

- Sempre trabalhando.

- Nem todos podem se dar ao luxo de viver de palestras e charme, doutor.

- Isso é maldade Akeno.

- Maldade é o que aquela moça muito brava vai fazer com você.

Shinnosuke ergue os olhos encarando Honoka furiosa com o comportamento de seu convidado. Suas palavras saem em rosnados por entre os dentes semicerrados.

- Você não muda!

- Você por outro lado está ainda mais bonita.

- Vá embora, não deveria ter te chamado - ela dá as costas erguendo sua mão - desculpe pelo transtorno.

- Honoka! Volte aqui, não fique assim, vai criar rugas mais cedo.

- E de quem é a culpa?

- Isso é maneira de falar com seu veterano? Já se esqueceu de tudo que eu ensinei para você?

- Até beijar? - Akeno entra na conversa.

- Posso dizer que a Honoka melhorou muito nesse quesito.

Irritada a doutora deixa a sala caminhando a passos pesados e bufando pelos corredores.

Shinnosuke e Akeno trocam um sorriso de cúmplices, em seguida o doutor atrevido corre até sua amiga se desculpando, ela o ignora e segue andando até outra sala, onde dois painéis de pedra estão repousados sobre a parede. Rapidamente a seriedade recai sobre o cientista.

- Essa é a carga encontrada no navio de guerra?

- Juntamente com aquele monolito que a Akeno estava restaurando. Aposto que deu uma boa olhada enquanto a abraçava.

- Foi um prazer duplo.

- Tarado.

- Alguns símbolos se repetem no monolito e aqui.

Honoka entrega uma folha de papel impressa com hieróglifos:

- Essa é uma preliminar, ainda não temos certeza de todos, pois o monolito não está restaurado e a pedra preta dificulta uma previsão mais acertada.

- Você acredita que esse painel pode ser a nossa pedra de roseta?

- Sim.

- E é por isso que você pediu minha ajuda.

Honoka concorda a contragosto:

- Apesar de tudo você é a maior autoridade japonesa em arqueologia do mediterrâneo, era você ou alguém de fora. O que poderia irritar nosso governo.

- "Dividir os méritos dessa descoberta nos diminuiria perante o mundo". Acredito que os políticos diriam algo assim a uma possível solicitação sua de um especialista estrangeiro.

- Tem mais uma coisa.

Honoka sorri pela primeira vez desde a chegada de seu amigo, ela o guia para uma caixa aberta, onde um estranho ser jaz ressecado. Suas formas impedem um reconhecimento, mas a imagem se associa a um dos desenhos.

Ao mesmo tempo, na escola do bairro de juban as aulas da manhã terminam. 

Yume segue com seu ritual diário de arrumar suas coisas, colocá-las na bolsa e rumar para a sala dos professores.

Uma vez junto aos seus ela liga seu tablet, mas se distrai com uma chamada por telefone, era uma de suas amigas que vivia saindo em encontros e querendo sua companhia.

- Sakura, agora estou na escola.

- Eu sei, por isso serei breve. Hoje a noite vou sair com dois jovens executivos. Carne de primeira.

- Carne?

- Sim, jovens e ricos.

Yume estava prestes a dar uma desculpa quando uma matéria lhe chama atenção na página inicial de um site de pesquisas: "Rota do navio japonês afundado é divulgado". ela clica no link:

“O ministério da defesa japonês revelou hoje o percurso final do Kami Sama, fragata que fora resgatada com conteúdos arqueológicos. Sua rota indica que a embarcação rumava para o mar do Japão, quando algo aconteceu e a fragata rumou em senoide.

Encontrado próximo ao mar japonês tudo indica que o navio foi afundado pela marinha americana, antes de sofrer o ataque a embarcação estava descontrolada.

Especialistas especulam que o capitão perdeu o controle do navio de guerra, que pode ter acontecido graças a problemas mecânicos; outra vertente acredita que o peso das descobertas arqueológicas afetou o navegar da fragata.

O conteúdo do navio encontra-se no museu natural de Tóquio para estudos.”.

Yume está vidrada na notícia, seus olhos denunciam uma mente em outro lugar, que volta a seu corpo graças ao chamado de sua amiga ao telefone.

- Yume? O que aconteceu?

- Nada, passe o endereço do restaurante e horário.

- Que bom, você não vai se arrepender.

 

Museu Natural de Tóquio. 

 

Akeno reclina na cadeira massageando seu pescoço, finalmente o monolito fora restaurado, ao menos a parte com as inscrições, um olhar trocado anuncia o final do serviço para Hanoka.

- Terminou?

- Sim, e o seu galã?

- Trabalhando. Ao menos nessas horas ele fica quieto.

Akeno encosta uma folha de papel de seda sobre a pedra negra, esfrega um pedaço de grafite contra ele, copiando todas as imagens.

- Se importa se eu for levar até Shinnosuke? Preciso esticar as pernas.

-  Por que me importaria?

Akeno dá um tapinha no ombro de sua amiga e atravessa a porta rumo a seu outro amigo que está na sala ao lado.

A garota surpreende-se, em pouco tempo a sala virou uma bagunça organizada. Uma lousa com todos os símbolos desenhados, cada imagem está a frente kanjis ou pontos de interrogação. No chão inúmeros livros jogados e abertos.

- Vejo que está a vontade.

- Akeno! Fico feliz com a oportunidade de vê-la em corpo inteiro, sem aquela mesa escondendo sua beleza.

- Só promessas.

- Não se me deixar pagar o jantar.

- Sorry! Não saio com um ex de uma amiga, além disso não sou eu quem despertou seu interesse.

- Perspicaz como sempre, a que devo a visita?

- Terminei a restauração.

Ela entrega a folha de papel de seda, onde o arqueólogo compara com as anotações preliminares, quase todas estavam corretas.

- Por que aquele símbolo está separado?

A fala veio de Honoka, que encontra-se atrás deles, na porta aberta, apontando para a imagem de um ser híbrido.

- Eu não acredito que se trate de uma palavra.

- Explique.

- Você sabe que regiões similares usavam símbolos similares, podendo significar ideias diferentes, assim como o alfabeto clássico chinês e japonês. Bom identifiquei que esses símbolos possivelmente vem da oceania, porém esse símbolo não aparece em nenhum lugar. 

- Por isso não é uma palavra?

- Também. Tanto nos painéis como no monolito esse símbolo fica em destaque, no monolito acima de todas as imagens e no painel entalhado em destaque, acima de tudo e todos. Acredito ser um deus.

- Um deus antigo?

- Vocês sabem como a região da oceania sofreu influência cristã e muitos jesuítas destruíram a cultura pagã. O que torna nosso painel e monolito possivelmente últimos registros desse deus antigo, ainda sem nome.

- Mais alguma coisa?

- Acredito que o monolito e os painéis se complementam, fazendo parte de um templo antigo. O monolito seria o altar, enquanto os painéis instrução para uma celebração, algum tipo de sacrifício.

- Faz sentido, a Akeno confirmou que a múmia é de uma mulher, os sacrifícios costumavam ser realizados com mulheres ou bravos guerreiros. Nossa múmia não parece um guerreiro.

- Nem seria, decifrei uma parte do painel: "O sacrifício deve ser uma jovem e ativa beldade", mais para frente "xxx vai impor a ela o dom da luxúria para saciar xxx em tributo".

- Ou seja, uma grande orgia com o sacerdote.

- Possivelmente.

Os três estudam o painel por algum tempo, tentando descobrir como seria esse deus. Akeno arrisca:

- Existem muitas referências marinhas.

- Deve ser algum deus da pesca. Fertilidade e sexo se misturavam na antiguidade.

Tendo dito Honoka se vira para deixar seu amigo trabalhando, antes de sair ela olha para trás satisfeita e feliz.

- Obrigada por sua ajuda. Agora vou avisar o curador. Ele vai ficar bastante satisfeito ao saber que já tem elementos para preparar uma exibição.

Não demora para o Dr. Gendo receber um telefonema de Honoka em sua sala, ele confirma a notícia e diz querer redigir o texto para a imprensa pessoalmente.

Sua sala está escura, quase não se vê o curador, a única luz é a do monitor de seu computador, na tela a imagem do monolito.

 

Noite.

 

Yume senta-se com sua amiga Sakura e mais dois rapazes para jantar.

No museu Honoka trabalha até tarde analisando amostras de barro e pedra, elas confirmam a procedência do monolito e dos painéis da oceania.

Akeno  se despede de sua amiga e vai para casa.

Shinnosuke senta-se em um bar, onde bebe mais uma dose de uísque.

Gendo caminha pelo museu deserto, entrando na sala do monolito, ele o toca com as pontas dos dedos, explorando cada marca até alcançar a deidade híbrida e pronunciar um sussurro inaudível.

Próximo ao mar do Japão uma estranha luz emerge das profundezas, no dia seguinte o fenômeno seria propagado, mas ofuscado por outro ainda mais estranho.

No restaurante Yume observa seu par levantar-se para ir ao banheiro, de maneira recatada ela termina seu prato e pede licença.

Ao sair do banheiro o jovem se depara com Yume de pé a frente dela.

- Tinha mais alguém aí dentro?

- Não...

Antes que possa dizer mais alguma coisa ele é atacado. Yume o beija, voraz e insaciável o empurra para dentro, abrindo o cinto do rapaz.

- O que está fazendo?

- Não é o que você queria?

Sem dizer uma só palavra ele segura a garota pela cintura, aperta seu quadril e levanta a mini saia, exibindo sua calcinha.

Yume o joga contra a parede, montando o homem, que rasga sua calcinha, ela o cavalva trançando as pernas, sem trocar olhares, apenas sentindo o prazer.

Os dois escorregam no chão, ela rebola sobre o pênis dele, a expressão obscena e o perigo fazem o rapaz gozar. 

Os dois se separam, Yume se levanta, ajeita a saia, penteia os cabelos.

- Vou na frente, nos vemos na mesa. Nem uma palavra para Sakura.

 

domingo, 9 de janeiro de 2022

Visceral - Capítulo 01

 


Início

 

Não se pode saber quando essas coisas começam, em geral em um dia como outro qualquer, onde um evento aparentemente sem importância desencadeia outros. É o que está para acontecer na capital japonesa. Em pouco tempo Tóquio vai mudar de forma drástica e irremediável.

Nossa história (ou a parte que nos interessa) começa dentro do apartamento de Yume uma bela professora, que reluta em acordar para mais um dia de aula.

As oito horas da manhã sua televisão é ligada de forma automática, em volume alto, o suficiente para fazê-la sair da cama. Resmungando coloca sua bela perna nua para fora, erguendo o corpo coberto por uma camisola e o cobertor. 

- Já acordei! Já acordei!

Enquanto levanta ensonada Yume não percebe a mudança na programação. Um alegre programa despretensioso dá lugar ao jornalismo de última hora. Na tela uma repórter em um porto a frente de um contêiner:

- Na madrugada de ontem para hoje o conteúdo do Kami Sama, fragata da segunda guerra foi resgatada, dentro lede encontrado o que parece ser resquícios de uma civilização antiga. O conteúdo foi embalado e levado ao museu de Tóquio.

A imagem retorna para um estúdio, onde dois repórteres discutem o assunto com um especialista.

- Por que essa notícia é tão importante?

- As primeiras imagens analisadas não se parecem com nada conhecido pelo homem, podemos estar diante de uma nova civilização e o Japão está a frente dessa descoberta. É um grande dia para a arqueologia japonesa.

- Sobre as imagens o senhor se refere ao monolito com hieróglifos.

Uma fotografia aquática de uma pedra negra gravada com uma estranha linguagem em desenho ocupa a tela ao invés de letras ou caracteres se via desenhos de peixes, seres marinhos desconhecidos e criaturas híbridas.

  • Professor, como esse monolito foi parar dentro do Kami Sama?
  • Esse é outro mistério.

Yume encontra-se trocada, pronta para sair, com o controle remoto na mão quando paralisa diante do televisor, contemplando o monolito. A expressão de seu rosto muda do neutro para o excitado, enquanto contempla a imensa pedra negra.

 

Museu de Tóquio, algumas horas depois. 

 

Carregadores entregam algumas caixas contendo a descoberta. O professor Gendo, diretor da área de arqueologia, orienta a colocação do material.

Junto a ele a jovem doutora Honoka acompanha o transporte das caixas para o interior do museu, onde os visitantes não têm acesso e as caixas são examinadas.

- Tem certeza que não existem componentes de metal na caixa?

- Certeza absoluta! Aparentemente são só pedras.

Honoka suspira ao ouvir o “aparentemente” e dá ordem para ligarem a máquina de ressonância magnética, sua assistente e amiga Akeno acompanha o surgimento da imagem de dentro do caixote, uma enorme pedra.

- Consegue identificar o tipo de pedra Akeno?

- Isso é estranho, muito estranho.

- O que?

- Aqui - ela mostra para Honoka a análise do computador - temos essencialmente dois materiais diferentes, o monolito e o barro seco em volta dele. O primeiro vou ter que analisar com mais cuidado, já o barro posso garantir vem do fundo do oceano.

- Faz sentido, foi encontrado em um navio afundado.

- Não exatamente. O barro encontra-se no fundo do oceano, literalmente falando na parte mais profunda deste, se o navio tivesse afundado ali, nunca o teríamos resgatado.

Honoka sorri para sua assistente.

- É para isso que estamos aqui Akeno, se fosse fácil qualquer um o faria.

A jovem especialista vira-se e caminha até o diretor que observa o engradado com a descoberta dentro dela.

- Então doutora?

- Vai demorar para colocarmos em exibição.

- Entendo o que diz, mas gostaria de lembrá-la que a descoberta é excitante e sua datação é a melhor parte do trabalho.

Os dois riem juntos, então ele continua com seriedade.

- Infelizmente o que sustenta o museu não são as descobertas e sim as exposições abertas à visitação.

- Entendo senhor.

- Ótimo, agora vamos abrir essa caixa. 

Imediatamente os funcionários armam-se de ferramentas e abrem a caixa de madeira, sem muito esforço, mas com bastante cuidado retiram a tampa e revelam o monolito negro.

Gendo e Honoka tomam a frente, observando o conteúdo da caixa, Akeno observa detrás de sua mesa, os demais trabalhadores também contemplam o monolito, todos fascinados. Por alguns segundos ficam ausentes de si mesmos, encantados pela pedra negra.

Haviam mais dois contêineres lacrados.