Um estranho fenômeno assola os
japoneses naquela manhã, o sol nasceu e ao invés de suas belezas naturais a
baía de Tóquio revelou terra negra e peixes mortos. O que rapidamente atraiu a
atenção de todos.
Muitos japoneses se aglomeram receosos,
assistindo uma enorme carcaça decomposta. Restos de seres abissais expostos na
metrópoles japonesa.
Na televisão, uma repórter acalma a
população:
"A terra preta, assim como os
peixes mortos podem indicar eventos sísmicos, porém nossos especialistas
garantem que nenhum terremoto ou maremoto ocorreu, tão pouco erupção vulcânica.
Acredita-se que se tratem de lixo que chegou a costa".
Yume é uma das pessoas em volta da
baía, seu celular toca informando o cancelamento das aulas, os alunos foram
estudar os animais marinhos mortos, ou deveriam.
A professora ignora a mensagem e
caminha até o colosso decomposto, ela despreza a barricada policial, encostando
sua mão no cadáver, enquanto pronuncia um nome inaudível.
Honoka para a caminho do trabalho,
também tomada pela curiosidade, ela observa de longe o gigante morto.
- Vão concorrer com nossa descoberta.
Ela vira-se assustada e reconhece
Shinnosuke encarando a criatura morta, apesar do gracejo não existe diversão em
sua face.
- Você parece preocupado.
- Olhe para o céu.
Ela o faz sem entender, conhecendo seu
colega Honoka começa a procurar detalhes: o sol está tímido atrás de nuvens,
mas vivo, por falar nelas as nuvens estão normais, mesmo com a poluição o céu
está azul.
- Não consigo enxergar nada.
- Exato. Com tantos peixes mortos o céu
não deveria estar infestado por gaivotas?
- Gaivotas são as lixeiras do mar. Tem
razão, apesar das pessoas a natureza está estranhamente familiar, como se nada
tivesse acontecido.
- Faz séculos que o homem deixou de ser
um ser natural, com isso não entendemos mais a natureza.
- Dá para parar de falar em enigmas.
- Na natureza a morte também é vida: um
animal morre, outro vem e se alimenta dele, seus restos adubam a terra. Aqui
não existe possibilidade de vida, apenas morte.
A sucessão de estranhezas continuou,
mas sem grande alarde. Uma vez que um evento acontece sua repetição perde os
holofotes para algo novo.
O grande cadáver foi retirado pela
marinha, mesmo com a chegada de novos peixes mortos nos próximos dias a baía o
evento não chama tanto a atenção. Um grupo ecológico culpou a poluição e todos
agradeceram a explicação rápida e simples.
Dessa forma mais uma semana se passou.
O museu se encontra bem diferente, os
estudiosos cederam lugar aos marceneiros. Uma réplica de um templo antigo fora
erguido na ala de antropologia, tudo para a grande inauguração do monolito.
Gendo acompanha de perto a grande
rocha, posta em meio a um espelho d´água, com os painéis de pedra atrás, a
múmia fica exposta em um canto, o centro reservado para a tradução ainda não
entregue.
- Você consegue ver a beleza, Honoka?
- Aquela múmia trás sérios
questionamentos sobre o que o senhor considera belo, mas eu concordo.
Os dois dão risada.
- Aquele espelho d'água foi uma excelente
idéia senhor.
- Trata-se de um deus aquático. Os
antigos eram bem literais quanto as suas adorações.
- Infelizmente não temos um nome.
- Um deus desconhecido, de nome
impronunciável.
- Ainda não é uma certeza.
- Minha querida, descobertas são incertas.
Quando o primeiro dinossauro foi descobertos as pessoas imaginavam lagartos
gigantes e não grandes aves de rapina.
- O tempo comprovou o erro deles.
- Mas não os recriminou, descobertas
também são criações, adivinhações. O importante é sermos honestos.
- Tenho a consciência de que fizemos o
nosso melhor.
- Concordo, estou orgulhoso. Sei que
nossa divindade também ficaria. Agora vou ensiná-la a outra tarefa que os
diretores de um museu precisam dominar em noites de estréia.
- Qual senhor?
- Bajular financiadores e servir
canapés.
Nos bastidores Akeno acompanha de perto
os últimos detalhes na tábua que contém a tradução dos painéis e do monolito.
"A eleita se encontrará com XXX
onde vai viver sua noite de núpcias e adoração a XXX".
- Gente é só uma trepada.
Todos dão risada de sua piada,
Shinnosuke dá um passo à frente e limpa a garganta.
- É um pouco mais do que isso, não
diminuindo a importância de uma boa trepada, a fertilidade e a sexualidade
estão intimamente ligadas, quanto mais primitivo a civilização mais importância
se dá ao sexo. Tribos antigas desvirginavam suas donzelas em público, algumas
civilizações contavam com um sacerdote específico.
- Um emprego onde um homem desvirginava
garotas?
- Muitas vezes com um instrumento
sagrado.
- Aonde você quer chegar?
- Sexo é vida, mas também é morte. Na
natureza tudo é um ciclo o final de algo é o começo de outro.
Yume se encontra em seu quarto
ensandecida de desejo, ela se masturba pela sétima vez naquela manhã,
esfregando o travesseiro entre as pernas. Descabelada e suada, morde seus
lábios de prazer.
De volta ao museu, Shinnosuke continua
sua explicação.
- Imagine que a escolhida é a
encarregada de construir uma nova hera, ela vai carregar a semente de um deus.
Você pode imaginar o poder envolto nessa ideia.
- Ela é praticamente uma deusa.
- Antigamente pessoas com poderes de
deuses possuíam muitas responsabilidades e um enorme ônus, alguns até
considerados intocáveis, certas tribos isolavam seus reis/deuses outros eram
impedidos de se mover ou serem vistos. O poder trazia grande sofrimento a essas
pessoas.
Em seu apartamento Yume esfrega a
vagina contra o batente da porta, em desespero segue até a cozinha, arranca sua
roupa, abre a geladeira de onde retira uma garrafa.
De quatro introduz o objeto com força e
raiva em sua vagina. Seu corpo responde com prazer a masturbação, mesmo não
havendo mais consciência da professora, ainda existe a fisiologia.
No Museu os dois amigos continuam a
conversa, agora é a vez da Akeno.
- Ao mesmo tempo que possuíam poder
eles não podiam desfrutar?
- O verdadeiro poder vinha do deus
protetor ou totêmico representado por um animal ou planta. Considerado
intocável. Um dia por ano, sempre no mesmo dia o tabu era quebrado e o animal
devorado.
- Como uma comunhão?
- Como uma comunhão.
Naquela noite.
O museu está deserto a exceção de seu
curador, que avança a passos largos pelos corredores desertos e negros. Uma
força antiga e poderosa age sobre ele e o local, inutilizando todos os sistemas
de segurança.
Gendo chega ao salão da exposição, onde
contempla o monolito, a luz da lua reflete o monolito, destacando os
hieróglifos, agora limpos e brilhantes.
Os olhos do cientista revelam que a
razão abandonou seu corpo, com os braços relaxados permitem que o paletó
escorregue, em movimentos bruscos arremessa os sapatos. Ele aproxima-se da
pedra negra, onde inicia um ritual antigo.
Dançando e cantando em uma língua não
humana Gendo está possuído como um xamã, saltando em êxtase rasga sua roupa.
Quando não consegue mais dançar se coloca a gritar, eufórico até que desmaia
nu.
O mar da baía de Tóquio fica agitado,
ondas encobrem a margem em pedra, transpassam as barreiras de concreto. A
estranha terra negra recobre a construção humana; pedaços de seres marinhos
mortos são trazidos pela água.
Em meio às ondas surge uma criatura
ancestral que desafia os limites da linguagem humana. O deus evocado no museu
está entre nós: com seus dois metros da altura a criatura marinha caminha com
facilidade em terra, revelando-se híbrido.
O deus de nome impronunciável ostenta
uma cabeça de bagre e boca humanoide, seus olhos aproximam-se aos de um
tubarão: negros e sem vida; o longínquo corpo reptiliano trás marcas de um
anfíbio: guelras e respiração pulmonar; a longa cauda provavelmente auxilia no
serpentear subaquático; longas peles sob os braços assemelham-se a asas
demonstrando ser uma criatura bípede, com andar semelhante ao homem de
neandertal. Os dentes pontiagudos e as garras robustas e negras revelam
tratar-se de um carnívoro.
Os primeiros a verem o antigo deus são
aqueles que observavam a tormenta, a simples visão da criatura é suficiente
para destruir sua sanidade. Alguns começam a rir, outros a chorar. Os mais
dignos se oferecem para saciar a fome milenar da criatura, que não hesita.
Ignorando o crepúsculo da civilização
Honoka, Akeno e Shinnosuke comemoram o fim de um longo trabalho em um bar de
luxo.
- Faz muito tempo que não saímos os
três para beber - Honoka observa saudosista sua imagem no espelho.
- Naquela época nós dois passamos os
dias trancados no quarto.
- Não me lembre desses dias,
Shinnosuke, parecíamos crianças.
- Foi a melhor época da minha vida.
Honoka fica vermelha, sem palavras bebe
mais um gole de seu drinque.
Akeno ri da honestidade de sua amiga e
levanta-se com seu copo na mão.
- Aonde você vai?
- Já vi que estou sobrando aqui amiga,
além disso tem algo muito mais divertido para fazer além de ouvir dois
apaixonados discutindo sobre o remorso do tempo.
Elegante e sensual Akeno caminha até
uma mesa, onde um jovem bem apessoado a observava à algum tempo, ela senta-se à
mesa dele e rapidamente começam a rir.
- A Akeno é bonita e decidida, ela sabe
o que quer e corre atrás - Honoka apresenta um tom triste e semblante
arrependido - Ela combina com você.
- Honoka!?
A doutora levanta-se e sai do bar, onde
observa a lua cheia, arrependida começa a falar ao homem que a seguiu:
- Você sabe que eu menti quando nos
separamos, nunca me apaixonei por outra pessoa.
- Não, eu não sabia.
- Você ficou triste?
- De coração partido, não sabia o que
era pior a dor de te perder ou não saber o motivo.
- E mesmo assim veio me ajudar?
- Você pediu minha ajuda.
Ela ri amargurada, uma lágrima escorre.
- Eu sou má, uso as pessoas, finjo ser
algo que não sou.
- Honoka - ele tenta aproximar-se, mas
é repelido.
- Para trás! Não demonstre compaixão.
Eu magoei você, quando precisei o chamei de volta, trabalhando pra mim. Só para
me sentir superior.
- Nunca entendi a nossa situação assim.
- Mas foi, você sempre foi um gênio,
alguém que poderia ir muito longe e de fato foi. Não é só isso, é alguém bom,
seu coração é enorme. Capaz de se entregar aos amigos e a quem ama. Durante a
faculdade eu ficava pensando "por que ele está comigo, eu não mereço
alguém assim".
- Você não faz ideia da mulher
maravilhosa que é.
- Não acredito, a pressão de alguém
como eu estar com alguém como você era enorme, eu o segurava, o atrasava nos
estudos, não permitia que encontrasse alguém melhor.
- Você é tudo o que eu sempre quis.
- E o medo de quando você finalmente se
desse conta e me abandonasse, eu precisei fazer isso. Eu... eu sou horrível.
Shinnosuke segura sua amada, a beijando
como há tempos não beijava ninguém, com paixão e amor. Honoka relaxa suas
defesas, retribuindo o gesto.
- Por que eu?
- Não sei explicar, eu a amo. Simples
assim.
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